Quando eu estava no Ensi Sno Fundamental, minha
professora de Português desafiou-nos a escrever um conto. Tinha que ser algo
especial, só nosso. Não poderíamos copiar, tínhamos que
inventar.
Fiquei tão feliz com a
possibilidade que no caminho de casa fui imaginando toda a história e, ao
chegar, fui logo escrevê-la.
“Era uma vez um menino que queria muito ir até uma
ilha que podia ser avistada do litoral, onde morava. Todas as vezes que ele
tentou ir, não conseguiu. A ilha simplesmente diminuía de tamanho e
desaparecia com a aproximação. Era impossível chegar até ela. No entanto, a
vontade de conhecê-la nunca desapareceu.
Certo dia, o menino estava na beira da praia, olhando
para a ilha, quando deu um passo para trás. Imediatamente a ilha aumentou de
tamanho! Deu mais alguns passos para trás quando encostou numa árvore
estranha, diferente, que ele jamais tinha visto. PLIM! Desapareceu da praia e
apareceu lá na ilha. A árvore era um portal dimensional!
...”
A história continuava.
Havia seres fantásticos, lugares maravilhosos, poderes mágicos e toda sorte de
elementos que fazem uma história ser inesquecível.
Apostei uma Crush,
antigo refrigerante de laranja, que a professora iria ler minha história para
toda a turma, pois estava muito bem escrita, era uma história digna de prêmio.
Meu amigo apostou que a professora não leria meu conto.
Duas semanas depois, a professora entrou na sala com
um pacote de folhas de papel. Eram os contos. De imediato, meus amigos me
provocaram: “vai pagar a Crush hoje!” diziam debochadamente.
A professora entregava os contos falando a cada um:
“muito bom”, “parabéns”, e outros pequenos comentários elogiosos. Ao chegar a
minha vez, aproximou-se e me entregou o conto. Ainda lembro da cena, da voz,
do cheiro da sala, do riso dos colegas e da expressão de superioridade da
minha professora. Ela simplesmente disse: “Podia ter errado menos, né
Marcos?”
Apressado, fui olhar a nota recebida: 7,5 e mais
nada. Nenhuma observação quanto à criatividade, imaginação, coesão textual, ou
qualquer outro incentivo à escrita. Apenas palavras riscadas com caneta
vermelha, ortograficamente erradas. Havia trocado x por ch, z por s e outros
erros que hoje o “Word” corrige automaticamente, visto que ainda os cometo.
Mas meu computador não me dá ideias, nem o contexto, nem a história. A escola
conseguiu fazer com que toda minha motivação para a escrita fosse enterrada no
lamaçal da gramática e da ortografia. Passei a escrever textos
ortograficamente corretos e extremamente pobres de conteúdo. “O menino gosta
da bola. A bola é verde...” Sequer tentava a cor azul, pois poderia errar,
trocando z por s. De 7,5 logo passei para 9,5 ou
10.
Apesar de ter sido um “caso isolado”, representa o
que acontece na escola: a supervalorização da forma em detrimento do conteúdo.
Isso simplesmente acaba com a motivação dos alunos, com o prazer de estudar,
de criar, de investir por conta própria nos estudos. É a celebração da
mediocridade. Alunos apáticos, produzindo “o necessário para passar”, nada
mais do que isso e professores contentes com produções paupérrimas. O aluno
que tentar sair do marasmo da média seus colegas já o chamam de “nerd” como se
o empenho e a inteligência fossem algo negativo. E a mediocridade continua
sendo o clima, aceito por alunos e professores.
Há, no entanto, uma saída: aulas diferentes,
centradas na troca, no diálogo, na produção, no empenho, na realização e na
construção de conteúdos relevantes. Aulas criativas que trazem aos alunos um
forte sentimento de realização pessoal por estar aprendendo e se
desenvolvendo. Muitos professores já agem assim, mas uma grande parte ainda
não. Não aprenderam na faculdade e acabam reproduzindo o mesmo modelo de
sempre.
Tais professores
precisam de formação continuada para aprender o prazer de ensinar e ensinar o
prazer de aprender. As aulas começarão a despertar escritores, cientistas,
filósofos, artistas, atletas e tantos outros caminhos para a realização
pessoal.
Apesar da escola,
tornei-me escritor. Tive outros professores, apaixonados pela vida e pelo ser
humano.
Ah, paguei a Crush.
MARCOS MEIER é mestre em
Educação, psicólogo, escritor e palestrante.
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