Levantamento considera turmas na rede estadual com mais alunos que o recomendado pelo próprio governo
Estudantes dizem que são obrigados a estudar em classes apertadas; governo diz que faltam terrenos para construir
FÁBIO TAKAHASHI
Mais de 60% das escolas estaduais
paulistas de ensino básico possuem ao menos uma série com mais
estudantes em sala que o recomendado pelo próprio governo de SP. Em 64%
delas, há problemas em mais de uma turma.
Estudantes reclamam que são obrigados a ficar apertados, a "caçar"
carteiras em outras salas e até a dividir assentos com colegas, pois
chegam a faltar carteiras.
O levantamento de escolas com salas superlotadas foi feito pela
Folha,
com base em dados do Ministério da Educação (Censo Escolar 2010). A
Secretaria Estadual da Educação reconhece o problema e informa que hoje
890 mil estudantes estão em salas com mais alunos que o indicado (22% do
total).
A reportagem encontrou turmas com mais de dez alunos acima do
recomendado. É o caso do primeiro ano do ensino médio da escola Maria
Luiza Martins Roque, na periferia sul da capital.
Ali, Carla (nome fictício), 15, possui outros 51 colegas. "É um desastre. Fica aquele abafamento, muito barulho.
Algumas vezes, os alunos precisam dividir carteiras" -a secretaria nega que falte mobiliário na sua rede.
De 2009 a 2011, houve pequeno aumento no número de estudantes de ensino médio em classes lotadas, mas redução no fundamental.
Desde 2008, a recomendação da Secretaria da Educação é que, do primeiro
ao quinto ano do fundamental, as salas tenham até 30 alunos; do sexto ao
nono ano, 35; e no médio, 40.
META NÃO CUMPRIDA
A situação é mais crítica nos cinco
primeiros anos do fundamental, no qual 30% das turmas estão
superlotadas. Nessa etapa, SP é a terceira rede estadual com a maior
média de alunos por turma do país. Na rede municipal paulistana, a
proporção de escolas com mais alunos que o recomendado é 50% menor do
que na estadual.
O problema foi agravado porque o Estado não cumpriu as metas de
construção de salas: entre 2008 e 2010 estavam previstas 3.447, mas 903
foram entregues, segundo levantamento da liderança do PT na Assembleia. A
gestão Alckmin (PSDB) diz esbarrar na falta de terrenos para construir
escolas.
Pesquisas divergem sobre o impacto do tamanho das turmas no desempenho
dos alunos. Alguns apontam efeito nulo. Outros defendem a redução das
turmas.
Uma posição com adeptos nos dois lados é que classes menores
podem ajudar públicos específicos, como alunos carentes. "E infelizmente
são essas escolas que são grandes", disse o pesquisador da Universidade
Federal de Minas Francisco Soares.
Docente da Faculdade de Educação da USP, Romualdo Portela defende que o
governo deva evitar só "exageros" no tamanho das turmas e investir mais
em programas em que haja mais certeza de ganhos educacionais.
Em turma cheia, professor não ouve alunos e chega a dar faltas
NATÁLIA CANCIAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Mães de alunos da escola estadual Washington Alves Natel, no Grajau
(periferia na zona sul da capital), Rosana Fátima Cardoso e Graci Costa
contam que se surpreenderam com o número de faltas que os filhos
levaram.
"Ele fica no fundo da sala e me disse que o professor não
escuta quando ele responde a chamada", afirmou Rosana, cujo filho estuda
no quinto ano do ensino fundamental. No Censo Escolar federal, o
colégio consta na lista de unidades com mais alunos que o recomendado.
A Secretaria da Educação diz que ao final do ano entregará nova unidade na região.
Na
escola Parque Nações Unidas, perto da estrada de Taipas (zona norte),
uma turma do primeiro ano do ensino fundamental possui oito alunos a
mais que o indicado. "O ideal seria menos, já que está começando a
alfabetização", afirmou a diretora, Sandra Regina de Souza.
OUTRO LADO:
Governo diz ter dificuldade para fazer novas escolas
Secretaria da Educação afirma que há locais onde não há terrenos que estão disponíveis para construir colégios
A Secretaria Estadual da Educação de SP reconhece que ainda há muitas
escolas com turmas acima do recomendado, mas afirma que a situação tem
melhorado.
Segundo a pasta, nos últimos quatro anos (gestões Serra e
Alckmin), foram abertas 150 mil vagas, num investimento de R$ 383
milhões.
Os dados oficiais mostram também que, em dois anos, caiu em 28% a
proporção de estudantes do primeiro ciclo do ensino fundamental em salas
superlotadas. No segundo ciclo do fundamental, a queda foi de 15%. Mas
cresceu 6% no ensino médio.
O governo diz que uma das principais dificuldades para reduzir o tamanho
das turmas é encontrar terrenos em áreas de proteção ambiental para
construção de escolas.
"Nesses locais, não podemos construir, mas a
população está ali. Temos de encontrar terrenos em áreas próximas. É uma
busca constante", disse o chefe de gabinete da pasta, Fernando Padula.
"Uma opção seria transportar os alunos para escolas menos carregadas.
Mas entendemos ser melhor colocar um ou dois alunos a mais na turma do
que deixá-los uma hora ou mais no trânsito."
Segundo a secretaria,
depois de encontrados os terrenos, vêm os entraves burocráticos (como
desapropriação e licitação), que atrasam a entrega da unidade.
Padula destaca que, em 2008, a própria pasta decidiu reduzir os limites
das turmas. A recomendação previa cinco alunos a mais nas turmas.
"Impusemos metas mais ambiciosas para nós. No padrão anterior, quase não haveria salas acima do recomendado."
ANÁLISE:
Efeito do tamanho da turma no desempenho não é conclusivo
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
Se quiser
iniciar uma boa polêmica educacional, tudo o que tem a fazer é afirmar
que o número de alunos em sala de aula não afeta o desempenho acadêmico.
Pais, professores e pedagogos dirão que você enlouqueceu.
Apenas um punhado de economistas o defenderá, oferecendo algumas estatísticas que apoiariam sua tese.
A
polêmica tem razões psicológicas, ideológicas e metodológicas. Para
começar, é difícil ir contra a intuição básica de que, quanto menor for a
turma, mais atenção individual. O problema com intuições é que, embora
sejam altamente convincentes, nem sempre estão corretas.
Em termos ideológicos, o debate é carregado porque, para apoiar a teoria
de que os EUA deveriam deixar de colocar mais dinheiro no sistema
público de ensino e passar a cobrar resultados, grupos conservadores
usaram e abusaram de trabalhos econométricos, o que tornou
automaticamente suspeitos todos os economistas que falam sobre educação.
A principal dificuldade para estimar o peso real do tamanho da classe,
porém, é de ordem metodológica. Não é nada trivial isolar esse fator das
demais variáveis.
Um exemplo simples: a maioria prefere turmas
menores, mas os ricos têm mais sucesso que os pobres em consegui-las
para seus filhos; o resultado é que as classes pequenas tendem a ter uma
super-representação de ricos, e a condição social é uma das principais
variáveis de sucesso escolar.
O resultado desse e de muitos outros fatores de confusão é que todos os
trabalhos que tentaram medir a influência do tamanho da classe são
vulneráveis a críticas.
Não obstante, os estudos de melhor qualidade
apontam um efeito que vai de pequeno a nulo. O mais favorável à redução
das turmas é um trabalho feito no Tenessee nos anos 80, que indicou que o
estudante posto numa turma pequena aprende por ano o equivalente a um
ou dois meses a mais do que o colega alocado na sala cheia.
Na melhor das hipóteses, o tamanho das turmas é um fator difícil de
medir. Só isso já significa que ele não é uma bala mágica capaz de
resolver os problemas da educação. Pode até ter algum efeito, mas ele
provavelmente é bem menor do que o sugerido por nossas intuições e pelo
lobby do professorado.
No caso do Brasil, há poucos estudos. Um trabalho de Naercio Menezes
Filho, do Insper, concluiu que, como o número de horas-aula é tão mais
relevante do que o tamanho da classe, valeria a pena juntar mais
crianças na turma para que elas passem mais tempo na escola.
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